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A Associação CLENARDVS tem como objectivo principal a promoção e o ensino da Cultura e das Línguas Clássicas, em Portugal e nos países de língua portuguesa.
É, essencialmente, uma associação de professores do Ensino Secundário e Universitário, que leccionam línguas clássicas, mas integra, também, nos seus corpos sociais, arqueólogos e historiadores, pois considera que a interdisciplinaridade é essencial para o conhecimento.
A Associação visa apoiar entidades e instituições públicas e privadas, escolas, alunos e docentes a integrar e promover projectos ligados à Antiguidade, levando à democratização do ensino da Cultura e das Línguas Clássicas e permitindo o livre acesso a este saber milenar.
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CENTRO DE FORMAÇÃO CLENARDVS
O Centro de Formação de Professores CLENARDVS, credenciado, desde Março de 2018, pelo Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua e tem organizado inúmeros congressos, colóquios e acções de formação acreditadas.
As suas áreas prioritárias de formação estão estritamente ligadas aos objectivos da Associação, devendo desenvolver-se, fundamentalmente, na área das línguas grega e latina; da Epigrafia; da Literatura; da Etimologia; da História e Arqueologia e da herança material móvel, através do conhecimento dos Museus Arqueológicos e imóvel (Sítios Arqueológicos).
MENSIS MARTIVS

Ara a Marte – Datação:I d.C. – II d.C. – Época Romana – Torre de Palma – M(arcus) . COEL[IVS] / CEL[S]VS / MARTI / A(nimo) L(ibens) Tradução: Marcus Coelius Celsus, a Marte, de bom grado. (José d’Encarnação)
Março, foi o primeiro mês do ano, no antigo calendário romano. No mês de Março dava início à vida agrícola e marcava também as navegações e o retorno às campanhas militares. O mês celebrava o deus Marte e a ele deve o nome.
Baixando um pouco a lança e o escudo, chega, Ó Marte. / Solta, ó Guerreiro, do elmo a cabeleira. / Talvez perguntes por que o poeta invoca Marte: / do mês que eu canto o nome vem de ti. / Tu próprio vês co’a mão Minerva fazer guerras; / mas nas artes domésticas descansa? / Ao seu exemplo, marca o tempo de abaixar / os gumes; acha inerme o que fazeres.
(…)
Que as Calendas de Março eram do ano as primeiras, / na mente os sinais podes perceber. / O loureiro que o ano inteiro ornou os flâmines / é tirado, e são postas novas folhas; / verdeja, então, de Febo a árvore nos umbrais, / e também nos portões da velha Cúria.
(…)
Porque o Inverno enregelante, enfim, termina, / e ao morno sol derrete a caída neve, / a folhagem retorna às desbastadas árvores, / crescem nas vinhas brotos suculentos, / o mato, há muito oculto, agora ergue-se aos ventos / e acha fértil caminhos escondidos. / Fecundo agora é o campo, os rebanhos procriam, / num galho a ave prepara abrigo e ninho. / Tempos fecundo as latinas mães cultuam, / o parto delas tem dever e votos.[1]
[1] In Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA, vv. vv. 1-8;135-140 e 235-238.
FESTIVAIS ROMANOS PÚBLICOS E PRIVADOS
MENSIS MARTIVS
MATRONALIA
As Matronalia eram festas em honra de Juno Lucina, que se celebravam a 1 de Março. O culto de Juno Lucina é muito antigo e era celebrado inicialmente, antes da edificação do templo sagrado, nos bosques – lucus -, daí provavelmente o epíteto Lucina. Juno Lucina presidia aos partos e neste dia celebra-se o nascimento de Rómulo e Remo.
O culto consistia na deslocação que as mulheres casadas faziam ao templo de Lucina, no monte Esquilino, e ofereciam flores e rogavam pela prosperidade do seu casamente e as que estavam grávidas suplicavam por um parto feliz. Quando regressavam a casa, as mulheres eram recebidas, agora, num ambiente mais restrito e familiar, de forma calorosa e afectuosa.
A presença de Juno Lucina, no áureo de Faustina Augusta, não é de estranhar, pois gerou 13 filhos, ao longo de trinta anos de casamento, com Marco Aurélio.
N’ Os Fastos, Livro III, Ovídio refere-se de forma clara ao culto a Juno Lucina.
«Se pode o vate ouvir os segredos dos deuses / – como a fama permite que se pense -, / como, ó Gradive, se viril é teu ofício, / em tua festa mulheres te cultuam.» (…)
Soma também que onde o romano rei escrutava, / na colina chamada hoje Esquilina, / ali um templo a Juno as mulheres latinas, / se me lembro, erigiram nesse dia. (…)
Trazei flores à deusa. Ela gosta de flore; / cingi com flores novas a cabeça. / Dizei-lhe: «Tu, Lucina Juno, à luz nos deste». / Dizei-lhe: «Atende os votos das gestantes». / Se grávida está alguma, ore co’a coma[1] solta / para que suavemente ocorra o parto.”[2]
[1] Cabelos.
[2] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA, vv.167-170; 245-248; 253-256.
NAVIGIVM ISIDIS
No dia 5 de Março, tinha lugar a festa em honra de Ísis designada por Navigium Isidis.
O rito consistia de uma procissão em direcção ao porto, cujos participantes iam adornados de exóticas vestes, apresentando-se alguns portando tochas. Os Pastophori[1], de cabelos rapados, vestidos imaculadamente de branco, carregavam imagens dos deuses egípcios e uma urna contendo água sagrada do rio Nilo. O cortejo era acompanhado de cânticos, ao som de flautas e do sistro e estancavam junto à orla do mar. Aqui, aguardava-os uma barca e, depois de libações com leite e carregada de oferendas, lançavam-na e deixavam-na à merce das ondas. Quando já, no alto mar, deixavam de a ver, o cortejo regressava ao templo, onde os sacerdotes oravam pelo imperador e pelo povo. A turba, então, levando flores e grinaldas, acercava-se da estátua argêntea da deusa e beijava-lhe os pés.
16. 1. Foi desta forma que o notável sacerdote deu voz ao vaticínio; depois calou-se, fatigado pelo esforço, enquanto recobrava o fôlego. 2. Em seguida, juntei-me ao grupo dos fiéis e pus-me a acompanhar a marcha do sagrado cortejo. A cidade inteira me reconhecia e em mim se concentravam os olhares, designando-me com o dedo e com acenos de cabeça. 3. Entre a multidão, era eu o assunto de todas as conversas:
— A este, a vontade excelsa da deusa omnipotente fê-lo recuperar hoje a forma humana. 4. Que pessoa feliz esta e três vezes ditosa, a quem a pureza e fé da vida passada valeram, seguramente, um tão ilustre favor dos céus, a ponto, de uma vez operado de certa forma o seu renascimento, logo se dedicar ao serviço do culto sagrado!
“5. Entretanto, no meio do tumulto das festivas celebrações, fomos avançando a pouco e pouco, até nos aproximarmos da orla do mar e chegarmos ao próprio sítio onde na véspera eu me detivera, quando ainda era um burro. 6. Nesse lugar, dispuseram as imagens divinas de acordo com o ritual. Encontrava-se lá um barco, construído com exímia arte e pintado em toda a extensão com variegados e admiráveis motivos egípcios. Então, o sumo-sacerdote pronunciou, com os castos lábios, orações particularmente solenes e procedeu à mais santa das purificações, valendo-se de uma tocha incandescente, de ovo e enxofre. Depois disso, invocou a deusa e consagrou-lhe a embarcação. 7. A brilhante vela deste afortunado navio tinha letras bordadas a ouro: essas letras exprimiam o voto de uma próspera retoma das travessias marítimas. 8. Já o mastro se aprestava, feito de madeira de pinho bem torneado, alto e brilhante, e a sua espectacular vigia concentrava a atenção geral. A popa era encurvada em forma de pescoço de cisne e resplandecia com o revestimento de folhas de ouro. Aliás, a quilha inteira, feita em madeira de tuia bem polida, exibia também um límpido brilho.
9. Nesse instante, toda a população, tanto os devotos como os não iniciados, amontoam à compita joeiras carregadas de substâncias aromáticas e de outras oferendas do mesmo tipo, ou então fazem sobre as águas libações de papa embebida em leite. Por fim, quando a embarcação estava carregada já de generosos presentes e de oblações propiciatórias, soltaram os cabos das âncoras e o navio foi confiado ao mar, impelido por uma brisa suave e especial. 10. Assim que, transposta determinada distância, o barco deixou de se mostrar com nitidez aos nossos olhos, os portadores dos objectos sagrados voltaram a pegar no fardo que cada um trouxera e meteram-se ao caminho, cheios de alegria, em direcção ao santuário, formando novamente um cortejo com idêntica dignidade.”[2]
[1] Os Pastóforos compunham o colégio sacerdotal responsável pelo culto de Ísis.
[2] Apuleio, O burro de ouro, tradução de Delfim Leão, Livros Cotovia, 2007.
EQVIRRIA
No dia 14 de Março tinham lugar, de novo, pois já haviam acontecido a 27 de Fevereiro, os festivais de origem muito antiga, que segundo a tradição remontavam a Rómulo, em honra do deus Marte – Equirria. O culto consistia numa corrida de cavalos – *equi curria -, que acontecia no Campo de Marte.
Durante a época Imperial, as Equírreas de Março foram perdendo a solenidade que tinham, acabando substituídas pelas Manularia, festividades também em honra de Marte.
MAMURALIA
Os Mamuralia tinham lugar no dia 14 de Março e era um festival em honra de Marte “durante os quais era expulso Mamúrio Vetúrio, tido como o demónio do Inverno”[1]. Esta divindade enigmática é representada por Joannes Lydus, na sua obra do século VI, De mensibus (“Acerca dos Meses”), como um homem velho, chamado Mamurius, vestido com peles de animais e espancado com varas brancas, representado no mosaico da cidade romana de Thysdrus, na Tunísia. Ora este ritual popular pode simbolizar também o início das campanhas militares e o trabalho de construção dos escudos, feitos de peles de animais e emoldurados em robustas estruturas de madeira.
Mamúrio está também associado à construção de onze escudos, mandados fazer por Numa, semelhantes aos que o rei recebera de Júpiter, como garantia da salvação eterna de Roma. Ora, como forma de pagamento, Mamúrio pediu que fosse recordado no final dos cantos que os Sálios, fiéis depositários dos doze escudos e que anualmente em ritual, percorriam a cidade com danças e cânticos e executando movimentos guerreiros, batendo nos escudos.
Os Mamuralia com o tempo substituíram os segundos Equirria.
[1] Rodrigues, Nuno Simões, Mitos e Lendas da Roma Antiga, Livros e Livros, 2005.
ATTIS
As festividades em honra de Átis ocorriam entre os dias 15 e 27 de Março. Das celebrações faziam parte uma série de ritos e cerimónias, entre os quais a dramatização dos acontecimentos da vida do deus.
No dia 15 de Março havia uma procissão, que recordava o nascimento do pequeno Átis, até às margens de um rio, onde o menino era colocado num canavial, no qual se tinha escondido até atingir a idade adulta. A este, seguia-se o ritual de fertilidade com o sacrifício de um touro.
Após uma semana de abstinência e contenção, no dia 23 de Março, tinha lugar a cerimónia da árvore. Então, cortava-se um pinheiro, representado Átis, e coberto de violetas era levado ao tempo de Cíbele, como se de um cortejo fúnebre se tratasse entre lamentos e choros.
No dia seguinte, dia 24 de Março, os Galli, sacerdotes eunucos de Cíbele, mutilavam-se em sangrentas feridas e castravam os jovens iniciados a sacerdotes. Durante a noite havia, então, um velório fúnebre e ao nascer do dia seguinte, 25 de Março, o Archigallus, o sacerdote supremo de Cíbele, anunciava a ressurreição do deus e a salvação para os jovens iniciados, sendo este dia de manifestações de regozijo. O dia 26 era de descanso e contenção.
No dia 27 de Março, último dia das festividades, fazia-se uma procissão com o ídolo de Cíbele, levado num carro argênteo, até ao rio Almo[1], no qual se banhava procurando assim que o deus propiciasse a chuva e assegurasse a fertilidade dos campo.
“De acordo com as fontes antigas, e sintetizando as várias versões disponíveis, Átis seria em parte filho de Agdístis, um ser bissexuado que teria nascido do sémen de Zeus caído na terra e que teria sido castrado pelos outros deuses. Do membro genital amputado, teria nascido uma amendoeira, segundo umas versões, ou uma romãzeira, segundo outras. A filha de Sangário, um deus-rio da Frígia, teria então colhido uma amêndoa ou um bago de romã, que colocou no seio. Desse acto, nasceu Átis, por quem o(a) mesmo(a) Agdístis se enamorou obsessivamente, ao ponto de levar o jovem à loucura e a auto-castrar-se, em cima de um pinheiro. Na sequência dos ferimentos, Átis morreu e Cíbele, deusa que por ele também se tinha apaixonado, sepultou os membros do jovem, mas do sangue que dele tinha corrido nasceram, à volta do pinheiro, violetas. Segundo Ovídio, teria sido o pinheiro a forma em que o jovem se metamorfoseara”[2]
CATULO, POEMA LXIII, vv.1-3
“Navegando Átis no alto mar, num barco rápido,
Quando pisou avidamente, com pé leve o bosque frígio
e chegou à região sombria da deusa, cingida de bosques.”
[1] Ribeira que atravessava a Via Ápia, junto à Porta Capena, onde por costume se fazia a lavatio, cerimónia de purificação.
[2] Nuno Simões Rodrigues, Narciso antes do espelho: o primeiro sentido do mito, in Congresso Internacional Olhares de Narciso: egotismo e alienação, Forma Breve – Revista de Literatura, n.º 17, Universidade de Aveiro, 2021.
ARGEA
Argea – O rito cerimonial da procissão dos argivos é pouco claro, pois segundo o que se sabe, Numa consagrou entre 24 e 27 capelas, repartidas pelas partes da cidade antiga e que eram visitadas pelo povo de Roma entre os dias 16 e 17 de Março.
Pensa-se que o nome argeos, nos primórdios, se refere aos quais vieram para Roma com Hércules argivo, e se estabeleceram em Saturnia[1]. E destas regiões, a primeira é apelidada de Suburana, a segunda Esquilina, a terceira Colina e a quarta Palatina[2].
[1] Saturno, destronado por seu filho Zeus, refugiou-se no Lácio, tendo feito prosperar esta região e ensinando aos povos que aí habitavam a agricultura.
[2] Marcus Terentius Varro, De Lingua Latina, Liber V.45.
LIBERALIA
No dia 17 de Março, celebravam-se os liberalia em honra do deus Líber, para pedir a sua protecção para com as plantações e propiciar a fertilidade. O ritual era conduzido por mulheres anciãs que, com a cabeça coroada de heras, percorriam as ruas e vendiam aos que passavam os liba, pequenos bolos consagrados aos deuses. Do bolo comprado era retirado um pequeno pedaço e colocado num depositário sagrado. O bolo era ingerido na rua, junto de sua casa.
Neste mesmo dia os jovens que atingiam a idade adulta e tomavam a toga virillis e o jovem cidadão ofereciam um sacrifício à deusa Juventas.
“Teiceiro dia apó ao Idos é de Baco. / Me inspira, Baco: eu canto as tuas festas (…)
De dar a toga, assim, foi escolhido o dia, / p’ra multidão também o celebrar.”[1]
[1] Ovídio, Os Fastos, tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
ARMILVSTRIVM
O Armilustrium era a festa da purificação das armas e acontecia a 19 de Março e a 19 de Outubro. Coincidia, portanto, com os meses em que se iniciavam as campanhas militares e quando terminavam. O culto correspondia a uma festividade com sacrifícios de consagração e purificação das armas, acompanhados de danças guerreiras e que ocorriam no monte Aventino, num local designado por Armilústrio.
Armilustrium ab eo quod in Armilustrio armati sacra faciunt, nisi locus potius dictus ab his; sed quod de his prius, id ab ludendo aut lustro, id est quod circumibant ludentes ancilibus armati.[1]
‘O armilustrium deve o seu nome ao lugar onde os soldados celebram os jogos sagrados, no Armilústrio, a não ser que o lugar tenha o seu nome por causa dos jogos; mas, qualquer que seja a origem, o nome deriva de jogar (divertir-se) ou de purificação, e isto porque os homens armados com escudos faziam círculos dançando.’
[1] Marcus Terentius Varro, De Lingua Latina, Liber VI.22.