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É, essencialmente, uma associação de professores do Ensino Secundário e Universitário, que leccionam línguas clássicas, mas integra, também, nos seus corpos sociais, arqueólogos e historiadores, pois considera que a interdisciplinaridade é essencial para o conhecimento.
A Associação visa apoiar entidades e instituições públicas e privadas, escolas, alunos e docentes a integrar e promover projectos ligados à Antiguidade, levando à democratização do ensino da Cultura e das Línguas Clássicas e permitindo o livre acesso a este saber milenar.
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CENTRO DE FORMAÇÃO CLENARDVS
O Centro de Formação de Professores CLENARDVS, credenciado, desde Março de 2018, pelo Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua e tem organizado inúmeros congressos, colóquios e acções de formação acreditadas.
As suas áreas prioritárias de formação estão estritamente ligadas aos objectivos da Associação, devendo desenvolver-se, fundamentalmente, na área das línguas grega e latina; da Epigrafia; da Literatura; da Etimologia; da História e Arqueologia e da herança material móvel, através do conhecimento dos Museus Arqueológicos e imóvel (Sítios Arqueológicos).
MENSIS APRILIS

Áureo de Iulia Domna com representação de Vénus – (193 d.C. – 211 d.C.) – Borralheira, Teixoso, Covilhã – MNA – Lisboa.
No calendário antigo o mês de Abril era o segundo mês do ano e Ovídio sugere que Abril provém do verbo latino aperire, que significa precisamente ‘abrir’, relacionando-o com o ‘abrir’ da natureza na estação da primavera.
Martis erat primus mensis, Venerisque secundus; / haec generis princeps, ipsius ille pater:[1]
‘Primeiro o mês de Marte, o segundo, de Vénus – / sua raça ela inicia, e ele é o pai;’
venimus ad quartum, quo tu celeberrima mense: / et vatem et mensem scis, Venus, esse tuos. (…) sed Veneris mensem Graio sermone notatum / auguror; a spumis est dea dicta maris. (…) nam, quia ver aperit tunc omnia densaque cedit / frigoris asperitas fetaque terra patet, / Aprilem memorant ab aperto tempore dictum, / quem Venus iniecta vindicat alma manu. (…) templa iubet fieri Veneri: quibus ordine factis / inde Venus verso nomina corde tenet. / semper ad Aeneadas placido, pulcherrima, voltu / respice, totque tuas, diva, tuere nurus.[2]
‘«Ao quarto mês, célebre Vénus, nós chegamos, / e sabes que são teus o poeta e o mês»’. (…) Creio que é grego o nome dado ao mês de Vénus[3]: / das espumas do mar vem Afrodite.[4] (…) Até onde chega a inveja? Há quem queira tirar / a homenagem do mês, Vénus, de ti. / U’a vez que se abre a primavera e espanta o gelo, / e a terra fecundada põe-se à mostra, / chama-se Abril, por ser o tempo de se abrir. / A alma Vénus, porém, co’a mão o reclama. (…) Manda-se erguer um templo a Vénus, que, erigido, / por virar corações recebe o nome. / Deusa pulquérrima, aos enéades[5] benigna, / olha sempre e protege as tuas noras.’[6]
[1] Ovídio – Os Fastos, Livro I– vv. 39-40.
[2] Ovídio – Os Fastos, Livro IV– vv. 13-14; 61-62; 85-90; 159-162.
[3] No calendário antigo, o mês de Marte era Março, e o de Vénus era Abril. Julga-se que o nome esteja relacionado com Afrodite, nome correspondente na mitologia Grega.
[4] Referência ao nascimento de Afrodite, que era filha de Úrano, cujos órgãos sexuais, depois de cortados por Crono, caíram ao mar, acabando por gerar a deusa.
[5] Os descendestes de Eneias.
[6] In Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA, Livro IV – vv. 13-14; 61-62; 85-90; 159-162.
FESTIVAIS ROMANOS PÚBLICOS E PRIVADOS
MENSIS APRILIS
VENVS VERTICORDIA

Denário de prata, de Manius Cordius Rufus, 46 a.C.[1]
Vénus é uma divindade latina antiga, que possuía um templo anterior à fundação de Roma e que era protectora da “vegetação e dos jardins”[2].No século II a.C. é assimilada è deusa grega Afrodite, conservando, na Etrúria, o nome Apru. Daí ser-lhe consagrado o mês Aprilis. Desta assimilação com a deusa Afrodite, Vénus passa a ser considerada a Deusa do amor e da beleza.
A Vénus Verticórdia tinha a capacidade de alterar os corações das mulheres e jovens romanas. Assim, tinha a capacidade de as demover da luxúria e imoralidade e levá-las a uma devoção casta e pura, daí o epíteto verticordia.
Roma pudicitia proavorum tempore lapsa est: / Cumaeam, veteres, consuluistis anum. / templa iubet fieri Veneri: quibus ordine factis / inde Venus verso nomina corde tenet. / semper ad Aeneadas placido, pulcherrima, voltu / respice, totque tuas, diva, tuere nurus.[3].
‘No tempo dos nossos antepassados, Roma perdeu o pudor: / ó anciãos, consultastes a velha de Cumas, manda fazer um templo a Vénus, que, construído, / Vénus toma, a partir daí, o nome de vira corações (Verticordia)’
[1] https://www.icollector.com/Denario-46-a-C-CORDIA-2B-Manius-Cordius-Rufus-Rev-Venus-Verticordia-a-izquierda-co_i10440789
No anverso, as cabeças dos dois Dióscoros, com coroa laureada na cabeça, encimada por estrelas. Em volta a inscrição RVFVS IIIVIR – (Rufus Trium Vir). No reverso, está representada Vénus Verticórdia, com a balança e o ceptro, carregando ao ombro Cupido, à direita a inscrição MN CORDI(VS) (Manius Cordius).
[2] Grimal, Pierre, Dicionário de Mitologia Grega e Romana (tradução de Victor Jabouile), Difel, Lisboa.
[3] Ovídio – Os Fastos, Livro IV– vv. 157-162.
FORTVNA VIRILIS

Templo de Fortuna Virilis, Roma.[1]
No dia 1 de Abril, celebra-se em Roma, também, a deusa Fortuna Viril. O culto remonta a Sérvio Túlio, Séc. VI a. C. e o rei mando edificar um templo em Roma à deusa. As festividades em honra da Deusa Fortuna eram muito participadas quer pelo povo romano, quer por escravos inclusive, mas a deusa Fortuna Virilis, era apenas cultuada por mulheres, recebia apenas oferendas de incenso e, segundo Ovídio, ocultava dos homens quaisquer vitia (imperfeições, vícios). A deusa Fortuna recebeu vários epítetos de acordo com as suas qualidades protectoras.
discite nunc, quare Fortunae tura Virili / detis eo, gelida qui locus umet aqua. / accipit ille locus posito velamine cunctas / et vitium nudi corporis omne videt; / ut tegat hoc celetque viros, Fortuna Virilis / praestat et hoc parvo ture rogata facit. / nec pigeat tritum niveo cum lacte papaver / sumere et expressis mella liquata favis: / cum primum cupido Venus est deducta marito, / hoc bibit; ex illo tempore nupta fuit. / supplicibus verbis illam placate: sub illa / et forma et mores et bona fama manet.[2]
“Aprendei por que dais à Fortuna Viril / incenso onde a água fria molha o chão. / Despidas todas, as acolhe esse lugar / que vê nos corpos nus qualquer defeito; / p’ra que dos homens o oculte e se apresente, / a Fortuna Viril só pede incenso. / Não deixes de tomar o leite com papoula, / nem o líquido mel tirado aos favos: / Vénus, ao ser pelo marido conduzida, / isso beber – casou naquela noite. / Com preces súplices, rogai: ela mantém / os costumes, a falam e a formusura.”[3]
[1] https://www.pinterest.pt/pin/188799409352540074/
[2] Ovídio – Os Fastos, Livro IV– vv. 145-156.
[3] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
MEGALENSIA

Estátua de Cibele[1]
Os Megalensia, ou Megalesia ou Ludi Megalenses era um festival em honra de Cibele, entre os dias 4 e 12 de Abril, que a partir do ano 91 a.C. se celebravam anualmente. O nome Megalenses que se atribuía à Deusa deve-se ao epíteto grego Megale ou Mega Mater.
O ritual consistia de um cortejo pela cidade de Roma, no qual os sacerdotes de Cibele, transportavam em processão a imagem da deusa, sentada num carro e puxada por dois leões. O cortejo fazia-se ao som de flautas, tambores e címbalos, acompanhada de um ruído estridente, que pretendia ser uma representação da ocultação do choro de Zeus (Júpiter) pelos curetes e cujo alarido evitava que Crono (Saturno) o ouvisse[2].
Durante o cortejo, ainda se recolhia dinheiro para a reconstrução e manutenção do templo, que havia sido destruído em 111 a.C. por um devastador incêndio.
Depois, seguiam-se ao ludi, representações teatrais, que eram patrocinados pelo estado, sendo, um magistrado, o edil curul, encarregado de os organizar e que celebravam a chegada da Grande Deusa a Roma. O comediógrafo romano Terêncio representou quatro peças nos Ludi Megalenses, sendo a primeira Andria, no ano de 166 a.C., conforme podemos constatar na didascália inicial da mesma.
As classes mais ricas de Roma, os patrícios, durante o festival tentavam impressionar outras classes sociais menos abastadas, como os plebeus, em estravagâncias e despesas avultadas.
No dia 10 de Abril os jogos eram encerrados com jogos no circo, com uma procissão de muitos deuses e uma corridas de cavalos.
INCIPIT ANDRIA TERENTI ACTA LVDIS MEGALENSIBVS[3]
‘Começa a Andria de Terêncio represenatada nos Ludi Megalenses’
Ter sine perpetuo caelum versetur in axe, / ter iungat Titan terque resolvat equos, / protinus inflexo Berecyntia tibia cornu / flabit, et Idaeae festa parentis erunt. / ibunt semimares et inania tympana tundent, / aeraque tinnitus aere repulsa dabunt; / ipsa sedens molli comitum cervice feretur / Urbis per medias exululata vias.
(…) substitit hic Erato. mora fit, si cetera quaeram. / ‘dic’ inquam ‘parva cur stipe quaerat opes.’ / ‘contulit aes populus, de quo delubra Metellus / fecit’ ait; ‘dandae mos stipis inde manet.’
(…) Proxima victricem cum Romam inspexerit Eos / et dederit Phoebo stella fugata locum, / Circus erit pompa celeber numeroque deorum, / primaque ventosis palma petetur equis.[4] vv.179-186; 349-352; 389-392.
“Deixa que gire o céu três vezes no eixo eterno, / junja e solte ao corcéis o sol três vezes; / logo, no curvo chifre, a trompa berecíntia[5] / soprará – são da mãe do Ida as festas. / Eunucos tocarão tímpanos retumbantes, / tintilarão oc címbalos de bronze; / será levada a deusa em delicados ombros, / co’exaltação gritada pelas ruas.
(…) Érato aqui parou para eu mais perguntar. / «Por que», indaguei, «as moedas quer a deisa?». / «Moedas deu o povo, com que ergueu Metelo o templo». / Respondeu, «E o costume se mantém».
(…) Quando a nova manhã vir a triunfante Roma / e a estrela afugentada ao sol ceder / terá no Circo u’a procissão de muitos deuses, / e os cavalos o prémio almejarão.”[6]
[1] Estátua dedicada a deusa Cibele descoberta em Lazio. Século 3 d.C. Museu arqueológico de Nápoles. Via Wikimedia Commons.
[2] No mito de Crono, Reia, a mãe de Zeus ocultou-o, evitando que assim fosse devorado pelo pai. Ora Cibele, na mitologia romana é identificada com Reia.
[3] Publius Terentius Afer, Andria, in https://www.thelatinlibrary.com/ter.html
[4] Publius Ovidius Naso, Fasti, Liber IV.
[5] A flauta berecíntia era tocada exclusivamente no festival em honra de Cibele, pois o nome deriva do Monte Berecinto, na Frígia, onde a Deusa Mater era cultuada.
[6] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
CERIALIA
As Cerialia (Ceriales) eram festividades em honra de Ceres, por ter inventado a agricultura, e aconteciam entre os dias 12 e 19 de abril, a partir de 202 a.C.
Estes dias eram de festa e de alegria em que todos se vestiam de branco, pois festejavam o regresso de Proserpina para junto de sua mãe, Ceres.
O ritual iniciava-se com um sacrifício sem derramamento de sangue e simples. Farinha, mel, leite, sal e era queimado incenso em sua honra. No culto público e rural uma porca era sacrificado em sua honra.
Das festas faziam também parte os jogos, que ocorriam no circo, e eram presididos pelo edil da plebe.
Tratando-se de festividades de foro popular os plebeus convidavam os patrícios para os banquetes.
As festas terminavam com uma corrida de cavalos no Circo Máximo, antecedida de uma procissão em que as pessoas atiravam doces e nozes umas às outras no decorrer na mesma.
O rapto de Prosérpina parece estar relacionado com o festival das Cerialia.
“Jogos de Ceres: dar suas causas não precisa,
Os méritos da deusa são apetentes. (…)
De Ceres branca é a cor: nas festas vesti de branco.
São proibidas hoje escuras lãs.[1]
[1] Ovídio, Os Fastos, Livro IV – vv. 393-394; 619-620, tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
FORDICIDIA

Tellus – Ara Pacis[1]
As Fordicidia (Fordicides), também designadas por Fordicalia e Hordicidia (Fordicales e Hordicides), eram festividades em honra da deusa Tellus, ocorriam a 15 de Abril.
O ritual destas festas consistia de um sacrifício de uma vaca prenhe, que cada uma das 30 Cúrias romanas tinha de imolar a Tellus. O povo de Roma cria, deste modo, que o estado de fecundidade do animal seria transmitido à terra mãe e seria propício a fertilidade dos campos e dos animais.
Segundo Ovídio, estas festividades dever-se-iam a um surto de infertilidade da produção agrícola e pecuária, na época de Numa. Este, em sonhos, recebeu de Fauno a fórmula para colmatar este período de improdutividade. Assim, deveria sacrificar a Tellus uma vaca prenhe, como forma de a apaziguar, proporcionando assim a fertilidade dos campos e dos animais.
Tertia post Veneris cum lux surrexerit Idus, / pontifices, forda sacra litate bove. / forda ferens bos est fecundaque dicta ferendo: / hinc etiam fetus nomen habere putant.[2]
“Quando se abrir a terça luz depois dos Idos, / imolai, sacerdotes, forda vaca. / Chama-se forda a vaca estéril fecundada: / pensam que daí deriva o nome feto.”[3]
[1] File:AraPacisReliefTellusMater.JP
[2] Publius Ovidius Naso, Fasti, Liber IV, vv.629-632.
[3] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
PALILIA

Festa dos Pales (1783), de Joseph-Benoit Suvée
As Palilia (Paliles), também designadas por Parilia (Pariles), eram festividades em honra de Pales[1], eram celebradas a 21 de Abril, dia do aniversário da fundação de Roma.
O ritual de purificação destas festividades estava muito concentrado na actividade da pastorícia e na protecção da deusa quer aos pastores, quer aos rebanhos.
Assim, os pastores fumegavam os estábulos com suffimen[2] purificavam o chão com água sagrada e varriam-no com ramos de loureiro. Nos currais eram colocados ramos e grinaldas nas portas. Um composto odorífero, purificador, à base de enxofre, fazia as ovelhas balar. Queimavam-se ramos de várias plantas (pinheiro, oliveira, erva sabina[3] e loureiro), enquanto pulverizavam a imagem da deusa com leite e ofereciam-lhe bolinhos de milho.
Os pastores suplicavam à deusa pela fecundidade e segurança dos seus rebanhos e pediam perdão por qualquer incumprimento cometido contra as divindades rústicas. De seguida lavam as mãos em água corrente e bebiam leite com vinho mosto.
Por fim, acendiam três fogueiras, as quais deviam ser acesas pelas faíscas provocadas pela fricção de duas pedras de quartzo, e os pastores saltavam por cima delas.
Este festival remonta aos primórdios da fundação de Roma e com o fim do paganismo e do eclodir do Cristianismo foram substituídas pelas festas de S. Jorge, cujo ritual tem bastantes similitudes com o Romano.
Nox abiit, oriturque aurora: Parilia poscor; / non poscor frustra, si favet alma Pales. / alma Pales, faveas pastoria sacra canenti, / prosequor officio si tua festa meo. / certe ego de vitulo cinerem stipulasque fabales / saepe tuli plena, februa tosta, manu; / certe ego transilui positas ter in ordine flammas, / udaque roratas laurea misit aquas. (…)
pastor, oves saturas ad prima crepuscula lustra: / unda prius spargat, virgaque verrat humum; / frondibus et fixis decorentur ovilia ramis, et tegat ornatas longa corona fores. / caerulei fiant puro de sulpure fumi, / tactaque fumanti sulpure balet ovis. / ure mares oleas taedamque herbasque Sabinas, / et crepet in mediis laurus adusta focis; / libaque de milio milii fiscella sequatur: / rustica praecipue est hoc dea laeta cibo. / adde dapes mulctramque suas, dapibusque resectis / silvicolam tepido lacte precare Palem. / ‘consule’ dic ‘pecori pariter pecorisque magistris: / effugiat stabulis noxa repulsa meis. (…)
nec noceat turbasse lacus: ignoscite, nymphae, / mota quod obscuras ungula fecit aquas. (…)
quod fit natali nunc quoque, Roma, tuo. / ipse locum casus vati facit: Urbis origo / venit;[4]
“Vai-se a noite, eis a Aurora. As Parílias me chamam; / e não em vão, se Pales favorece. / Dá, alma Pales, que eu cante os ritos pastoris, / se em meu ofício eu sigo a tua festa. / Muitas vezes levei as cinzas do vitelo, as favas, à mancheia, as oferendas. / Três vezes eu saltei enfileiradas chamas, / e águas lustrais com louros aspergi. (…)
Ó pastor, de manhã, purifica o rebanho: / seja a água borrifada e o chão varrido; / decorem-se os redis com frondes e com ramos, / que um comprido festão enfeite as portas. / De puro enxofre se erga u’a fumaça azulada, / que, alcançando uma ovelha, a faz balir. / Queima a oliveira-macho, a erva sabina e a tocha. / no meio dos altares queime o louro. / Que cestinhos de milho os libos acompanhem: / é o que mais satisfaz à deusa rústica. / Também dá leite e as iguarias: e, ao cortá-las / com leite morno, roga à agreste Pales. / Dize: «Protege ao mesmo tempo grei e pastor: / afasta dos estábulos o mal». (…)
Desculpai, ninfas, por se haver turbado o lago, / se as patas de animais sujaram a água.» (…)
Hoje é assim, Roma, em teu aniversário. / O assunto inspira o vate – a origem da Urbe chega.”[5]
[1] Antiga divindade dos pastores e rebanhos e que em tempos remotos era a deusa do Palatino.
[2] Composto purificador à base de cinzas dos fetos da vaca queimada nas Fordicidia, o sangue e as cinzas do October equus (Cerimónia de fecundidade e guerra, na qual era sacrificado um cavalo) e cinzas de vagens vazias.
[3] Planta muito comum também em Portugal, muito odorífera.
[4] Publius Ovidius Naso, Fasti, Liber IV, vv. 721-728; 735-748; 757-758; 806-808.
[5] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
VINALIA

Mosaico da Casa do Anfiteatro em Mérida com Cena de Vindima e pisar da uva.
As Vilalia (Vinales) eram festividades dedicadas a Júpiter para proteger as vinhas e aconteciam no dia 23 de Abril, designadas por primeiras Vinálias (Vinalia priora, também conhecidas como Vinalia urbana) e no dia 19 de Agosto (Vinalia altera, ou também designadas por Vinalia rustica).
As Vinalia priora remontam às lutas entre Eneias e Turno. Turno ofereceu ao etrusco Mezêncio metade da colheita de vinho da colheita do ano seguinte, pelo seu apoio contra Eneias. Este, por seu lado, ofereceu ao deus Júpiter também metade da colheita de vinho, ganhando a batalha contra Turno. Então, neste dia, faziam-se libações a Júpiter com vinho velho, pra que proporcionasse uma abundante colheita.
Vinalia priora, quae ante hos dies sunt VIIII kal. Mai. degustandis vinis instituta.[1]
‘As primeiras Vinálias, que foram instituídas, no dia 23 de Abril (nono dia antes das Calendas de Maio), para a degustação de vinhos.’
Dicta Pales nobis: idem Vinalia dicam. / una tamen media est inter utramque dies. (…)
cur igitur Veneris festum Vinalia dicant / quaeritis, et quare sit Iovis ista dies? / Turnus an Aeneas Latiae gener esset Amatae / bellum erat: Etruscas Turnus adorat opes. (…)
induit Aeneas adloquiturque Iovem: / ‘hostica Tyrrheno vota est vindemia regi: / Iuppiter, e Latio palmite musta feres.’ (…)
dicta dies hinc est Vinalia; Iuppiter illa / vindicat, et festis gaudet inesse suis.[2]
“Se as Parílias cantei, cantarei as Vinálias, / entre as duas um dia apenas há. (…)
«Mas por que são festas de Vénus as Vinálias / e de Jove esse dia?», indagareis. / Turno fazia guerra a Eneias para ser genro de Amata, e chama a força etrusca. (…)
Eneias também se arma e diz a Jove: / «Promete ao rei Tirreno o inimigo a vindima ;/ da uva latina o mosto terás, Júpiter». (…)
Vinálias chama o dia – o reivindica Júpiter, / que se alegra de estat em suas festas.”[3]
[1] Gaius Plinius Secundus, Naturalis Historia, Liber XVIII, 287.
[2] Publius Ovidius Naso, Fasti, Liber IV, vv. 863-864; 857-880; 892-894; 899-900.
[3] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.
ROBIGALIA

Rubigo[1]
Festividades em honra do deus Rubigo, que se celebravam a 25 de Abril, para pedir a protecção das searas contra a alforra[2].
O Ritual consistia de uma procissão que percorria a Via Cláudia até ao bosque sagrado do deus, que próximo do quinto marco miliário de Roma.
Neste local, o sacerdote de Quirino, o qual presidia à procissão, fazia uma oração rogando a Rubigo que transferisse para as armas os fungos que atacavam as searas, fazendo assim com que aquelas enferrujassem, propiciando assim a paz.
Posteriormente, queimava-se incenso num altar, bem como se ofereciam em sacrifício as entranhas de uma ovelha e de um cão, para pedir a protecção das searas.
Estas festividades são atribuídas a Numa Pompílio, segundo rei de Roma. Com o Cristianismo as mesmas foram substituídas pelas ladainhas de S. Marcos[3], cujo ritual também incluía uma procissão e uma prece “a Deus que afaste os flagelos e espalhe a sua bênção sobre as colheitas”[4].
hac mihi Nomento Romam cum luce redirem, / obstitit in media candida turba via: / flamen in antiquae lucum Robiginis ibat, / exta canis flammis, exta daturus ovis. / protinus accessi, ritus ne nescius essem; / edidit haec flamen verba, Quirine, tuus: / ‘aspera Robigo, parcas Cerialibus herbis, / et tremat in summa leve cacumen humo. / tu sata sideribus caeli nutrita secundi / crescere, dum fiant falcibus apta, sinas. (….)
nec teneras segetes, sed durum amplectere ferrum, (…)
utilius gladios et tela nocentia carpes: / nil opus est illis; otia mundus agit. (…)
dixerat; a dextra villis mantele solutis / cumque meri patera turis acerra fuit. / tura focis vinumque dedit fibrasque bidentis / turpiaque obscenae (vidimus) exta canis.[5]
“Quando eu voltava de Nomento, um dia, a Roma, / no caminho parou u’a branca turma. / Um flâmine ia ao bosque da antiga Rubígene / de u’a ovelha e de um cão queimas as vísceras. / Logo me aproximei – eu conheci os ritos. / Teu flâmine, ó Quirino, assim falou: / «Poupa, ó Rubígene escabrosa, os dons de Ceres, / e sobre o leve solo os brotos tremam. / Faze crescer as messes pelo céu nutridas / até que estejam prontas para as foices. (…)
Ataca o duro ferro, e não as searas tenras (…)
Mais útil, roas gládios e armas assassinas. / De nada servem; tenha o mundo paz.» (…)
Disse. Tinha na mão uma manta grosseira, / uma taça de vinho algum incenso. / Deu vinho e incenso ao fogo, as entranhas da ovelha / e as vísceras – eu vi – de uma cadela.”[6]
[1] https://www.romanoimpero.com/2016/06/culto-di-robigo-robiga.html
[2] Doença das searas, provocada pelo fungo da ferrugem Puccinia rubigo-vera, que ataca as culturas de trigo e que causa danos no rendimento das colheitas.
[3] O Evangelista S. Marcos, nasceu em 10 a.C. e morreu no dia 25 de Abril de 60 da era cristã.
[4] https://padrepauloricardo.org/blog/rogacoes-o-que-sao-e-por-que-resgata-las
[5] Publius Ovidius Naso, Fasti, Liber IV, vv. 905-914; 923; 925-926; 933-936.
[6] Ovídio – Os Fastos – tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, Autêntica CLÁSSICA.