SALACIA

«A cidade de Alcácer do Sal, capital de Concelho, situa-se na faixa litoral do Baixo-Alentejo, na margem norte do rio Sado.
A sua posição geográfica e a estreita e intensa relação com o rio Sado justificam a importância política, militar e económica que este núcleo urbano adquiriu ao longo do Tempo. A fertilidade gerada pelo rio Sado, designadamente no que respeita à exploração agrícola, ao pastoreio e à tecelagem, e a possibilidade que o mesmo tem de escoar produtos até ao estuário, melhor, até ao Oceano Atlântico, junto a Tróia e Setúbal, foram certamente as grandes motivações para a ocupação humana e para a centralidade deste local desde, pelo menos, a Idade do Ferro.
Já Políbio, no século II a.C., se referia à importância do trigo e do vinho nesta região, facto que leva os arqueólogos que aí trabalharam a relacionar essa riqueza às espigas e ramos que aparecem representadas em moedas cujos cunhos são atribuídos à cidade pré-romana de Beuipo, atestando a produção de cerealífera.
Salienta-se também a actividade pecuária, particularmente a criação de gado bovino, ovino e caprino. O fabrico de tecidos ligeiros à base de lã é, inclusivamente, referido em inícios do século I d.C. por Estrabão (III, 2,6), actividade essa comprovada através das escavações efectuadas na área do Castelo, que revelaram a existência fusaiolas (cossoiros) e ainda de pesos de tear romanos. Também Plínio, no século I d.C., nos dá nota da importância das lãs aqui produzidas.
A actividade piscatória também está comprovada no período romano através de indícios encontrados no Castelo, tais como pesos de rede e naveta de cozer redes.(…)Desde épocas recônditas, Alcácer do Sal, pela proximidade do estuário e do Oceano, é também conhecida pela produção de sal, sabendo-se que em Período Romano a sua produção já tinha grande impacto económico.
Assim sabemos que, em período romano, Alcácer atinge grande pujança, readquirida posteriormente, na Idade Média, com particular destaque na Época Islâmica.
(…)
A partir dos séculos II e I a.C., predomina ainda, na área do Castelo de Alcácer do Sal, a cerâmica púnica e/ou ibero-púnica, mas começa a aparecer uma cerâmica de origem itálica denominada campaniense, bem como ânforas romanas do período republicano.

Importante povoado no decurso da Idade do Ferro, o aglomerado urbano vai ampliar-se em Época Romana, no decurso do Alto Império, mantendo a centralidade que já possuía na Proto-História e acentuando funções administrativas, tal como comprova a epigrafia que identifica a existência de magistrados locais.O seu território, a Civitas de Salacia, poderia ter abrangido uma vasta área, até ao estuário do Sado, controlando Caetobriga (a actual Setúbal) e Tróia e, a sul, parte da actual serra de Grândola, dominando administrativamente grande parte do Baixo e Médio Sado.
A importância de Salacia é referida pelas fontes latinas, designadamente Pompónio Mela (De Chorogr., III,1,8) e Plínio (NH, IV, 35, 116), que, no século I d.C., refere que os oppidamais famosos situados na costa a partir do Tejo são Olisipo e Salacia, cognominado Urbs Imperatoria.
Se bem que seja difícil a identificação de edifícios públicos no interior do recinto do Castelo que foi escavado, Salacia possuiria muito certamente o seu centro administrativo, o Forum, que, a avaliar pelas investigações recentes se deveria localizar numa plataforma compreendida entre a Igreja de Santa Maria do Castelo e o Convento de Nª. Sª de Aracaeli.
A sacralização do local onde se havia implantado, na Idade do Ferro, um santuário mantém-se em Período Romano, implantando-se um templo onde se recolheu também um notável espólio de que salientamos uma placa em chumbo, onde curiosamente há voto de “mau-olhado”, cuja tradução segundo Amílcar Guerra é:
“Ó Senhora Mégara Invicta! Tu, que recebeste o corpo de Átis, digna-te receber o corpo daquele que levou as minhas bagagens, que mas roubou da casa de Hispano. Ofereço – te como dádiva o corpo e alma daquele, para que eu encontre as minhas coisas. Se vier a encontrar esse ladrão, então prometo-te, ó Senhor Átis, um quadrúpede como vítima. Ó Senhor Átis, rogo-te, pelo teu Nocturno, que faças com que eu as obtenha quanto antes.”
Este mesmo local que foi continuamente sacralizado, seja em período muçulmano com a implantação de uma mesquita, seja em fase já cristã com a fundação da Igreja de Santa Maria e, mais tarde ainda, com a edificação da capela da Ordem de Santiago e com a construção da igreja do Convento a Nossa Senhora de Aracaeli (o Altar do Céu), pode considerar-se, assim, um lugar sagrado por excelência.
São conhecidas algumas necrópoles romanas da cidade, na azinhaga do Senhor dos Mártires, em S. Francisco e no Bairro do Crespo e também foram identificados, nas imediações de Alcácer do Sal, os restos de um aqueduto, uma barragem romana, e ainda são conhecidos testemunhos na zona baixa e ribeirinha do núcleo urbano.
A fertilidade do rio e seus afluentes permitiu que aí se implantassem também casas agrícolas, uillae, e unidades de produção cerâmica.
Se bem que o Período Tardo-Romano seja mal conhecido neste local, tudo indicando que a urbs tenha começado a decair após o século IV/V d.C., são, contudo, conhecidos materiais arqueológicos do Período Visigótico, o que leva a concluir que, na altura da conquista islâmica de 711, o espaço intra-muros ainda fosse ocupado.
Esta situação verifica-se também em alguns locais do concelho, a exemplo da importante uilla de S. João dos Azinhais/Torrão, junto ao rio Xarrama, ocupada desde o início do Império Romano até à fase Visigótica, tendo-se aí erguido, em finais do século VII, uma Igreja dedicada aos mártires Justo e Pastor, facto comprova que a vida rural se mantém bastante activa nas vésperas de ser anexado ao Califado Omíada de Damasco, situação essa que parece comprovar-se também na uilla romana de Santa Catarina de Sítimos onde decorreram recentemente trabalhos de escavação. Pode, contudo, afirmar-se que ali se encontram importantes testemunhos da presença romana, com inícios em meados do século I a. C mas prolongando-se no tempo».
A partir de : V.V.A.A. Salacia (Alcácer do Sal). Cood. Científica Filomena Barata
Roteiro Cripta Arqueológica do Castelo de Alcácer do Sal. IGESPAR, 2007.
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