“Villae”
Exporta-se da Turdetânia cereal e vinho em quantidade, bem como azeite, não só em quantidade, mas também da melhor qualidade. Exporta-se igualmente cera, mel e resina (…).
Estrabão, (c. 64 a. C. – c. 23 d. C.), Geografia 3.2.6. J. Deserto, S. Marques (trads.), Estrabão. Geografia, livro III, introdução, tradução do grego e notas. S. l.: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 47.
Sabia que uma Villa …

É uma estrutura agrária, uma unidade de exploração de cariz senhorial, que se caracteriza por centralizar a propriedade fundiária , o fundus, numa residência que, em alguns casos, atingia uma grandeza superior às domus urbanas, com enormes dimensões e muita riqueza ornamental nas paredes estucadas, com pinturas murais ou “frescos”, estatuária e pavimentos revestidos com mosaicos.
Podiam possuir ainda essas residências agrárias, designadas em Período Romano por pars urbana, tal como as habitações urbanas de maior escala e riqueza, pátios, jardins interiores e exteriores, zonas dedicadas aos cultos e mesmo termas privadas ou balneários.
No entanto, a realidade agrícola não era apenas a de maior escala, pois existiam os “casais” dos pequenos agricultores de menor escala no que respeita ao fundus ou “propriedade” e menos grandeza arquitectónica das residências.
As estruturas agrícolas de maior grandeza são as mais conhecidas, designadamente a sua área residencial, sabendo-se, não obstante, que possuíam as infraestruturas de apoio à produção agrária, como celeiros, armazéns, adegas, lagares, estábulos, podendo ainda ter os fornos ou forjas para apoio das diversificadas actividades da uilla, denominando-se esta área de serviços parts rustica ou fructuaria.
Nessa zona incluíam-se ainda as áreas destinadas aos trabalhadores da uilla que, em época mais tardia, tinham também um lugar especial para o encarregado da exploração, o uillicus, uma vez que o verdadeiro proprietário estava muitas vezes ausente.
A posse da terra era, sem dúvida, a maior manifestação de riqueza na Época Romana, e a estrutura agrária obedecia a uma organização, não só no que respeita à distribuição das terras propriamente dita, havendo lugar ao emparcelamento dos espaços rurais distribuídos pelos “colonos”, como na sua expressão mais “física”, pois os cadastros apresentam uma regularidade que corresponde à distribuição das propriedades recorrendo a instrumentos de agrimensor que permitiam recticular os terrenos.
Em Portugal, embora não seja bem conhecido o mundo agrícola em período Romano, são inúmeros os exemplos de estruturas agrárias por todo o território, quer de pequenas dimensões, ou casais, como os que foram estudados na zona da Vidigueira, quer de maior escala, de que podemos citar múltiplos casos, incidindo, contudo, este trabalho na zona Sul, pois é a que melhor conhecemos.
Também na Vidigueira, uma estrutura agrícola de grandes dimensões sobressai. Trata-se da Villa romana de S. Cucufate, classificada como imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 36383 de 28-6-47, e que parece ter sido utilizada no Período Romano entre os séculos I a .C. – IV, com uma continuidade de ocupação na Época Medieval.

Tentativa de reconstituição: Pedro André da Silva
Esta Villa romana do século I a .C. teve alterações na primeira metade do século II e no século IV, dando lugar ao edifício que hoje subsiste.
Na Idade Média, esta estrutura foi utilizada como mosteiro, consagrado a S. Cucufate; abandonado no período das guerras entre Muçulmanos e Cristãos pela posse de Beja, viria a ser restaurado em 1255 e entregue aos cónegos regrantes de Santo Agostinho.
A uilla romana é enquadrada por dois corpos com robustos contrafortes que se ligam, na zona cimeira, por meio de arcadas. Em frente, dispunha-se um jardim que descia através de um suave declive até ao grande tanque. Subsiste parte significativa de um templo que viria a ser cristianizado no século V.
Já localizada nas imediações de Beja, a Pax Iulia romana, a Villa romana de Pisões, classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 251/70 de 3-6, trata-se de um testemunho notável de exploração agrária, cuja ocupação se estende do século I a .C. ao século V, muito possivelmente pertencente “às elites urbanas”, como bem o defende Carlos Fabião, na sua obra «A herança romana em Portugal».

Nesta uilla romana, apenas parcialmente escavada, destaca-se uma parte significativa da casa do proprietário, apresentando mais de quarenta divisões decoradas, centradas num peristilo.
Salientam-se os mosaicos, quer pela sua enorme variedade, apresentando composições geométricas e naturalistas, quer pelo seu elevado nível estético, utilizando tesselas calcárias e vítreas.
Os equipamentos rurais, se bem que menos conhecidos, denotam a importância desta uilla, onde uma barragem, localizada nas proximidades, articulada com o conjunto agrário, permite garantir o fornecimento de água aos terrenos agrícolas, mas ainda aos tanques, piscina e termas, de apreciáveis dimensões, existentes nesta propriedade.
Outros exemplos de barragens de apoio às estruturas agrárias são conhecidos no território actualmente português, quer na Beira Baixa, como no Alentejo e Algarve, que foram objecto de uma publicação denominada «Aproveitamentos Hidráulicos a Sul do Tejo».
Em Ferreira do Alentejo, a uilla do Monte da Chaminé, faz-nos lembrar a produção do azeite que, desde tempos imemoriais, caracterizou este território. Ali, ainda poisam por terra mós e grandes prensas usadas, de Época Romana.
A grande casa agrícola, com inúmeros compartimentos, é dotada de um sistema hidráulico que ainda hoje se pode observar.

Villa do Monte da Chaminé. Vista geral.
No caso da sobejamente conhecida Villa romana de Torre de Palma, em Monforte, Portalegre, imóvel classificado como Monumento Nacional pelo Decreto nº 251/70, de 03.06, cuja ocupação em Época Romana e tardo-romana se estende entre os séculos I e VII, a casa senhorial é um espaço organizado e pensado para a vivência rural. Bem estruturada para a exploração agrícola, funcionava também como local de recolhimento e de lazer do proprietário, pois toda a decoração indicia que aí se pudesse gozar um ameno e bucólico refúgio dos ambientes urbanos.
Em torno de um grande pátio, ao qual se acedia por um portão principal, organizavam-se as construções ligadas à exploração agrícola – o grande celeiro, o lagar de azeite, os armazéns de alfaias agrícolas e os estábulos.
Sucedia-lhe um pátio porticado mais pequeno e reservado, ladeado pelos alojamentos de serviçais e por uma residência que pode ter pertencido ao villicus.
O lado Norte foi ocupado por uma requintada residência habitada pelos proprietários.
Num vasto compartimento de 10,4×6,35 o triclinium desta villa ostentava o célebre “Mosaico das Musas”. Esta era uma área para banquetes, onde o senhor da casa procurava impressionar os seus convivas, através da decoração do espaço com mosaicos e pinturas murais, infelizmente já desaparecidas.
Trata-se de um mosaico tardio de uma oficina itinerante africana (possivelmente da Tunísia).
Descoberto em 1947, foi levantado por uma equipa de técnicos italianos de Florença, após escavações efectuadas por Manuel Heleno, Director do Museu Nacional de Arqueologia.
Era constituído por 11 painéis figurativos com temas mitológicos: Painel I (As nove Musas); Painel II (Cena Báquica); Painel III (Sileno e Sátiro); Painel IV (Duas Ménades); Painel V (Dois Membros do Tiaso); Painel VI (Apolo e Dafne); Painel VII (Hércules e Mercúrio); Painel VIII (Medeia Infanticida); Painel IX (Mégara e Hércules); Painel X (Triunfo de Baco); Painel XI (Teseu e Minotauro).
Para melhor conhecer, pode consultar aqui.

Na base deste mosaico existe uma legenda : SCO [pa a]SPRA TESSELAM LEDERE NOLI VTERI F[elix] que pode traduzir-se como “não estragues o mosaico com uma vassoura áspera. Felicidades”.

Também proveniente dessa uilla é o célebre mosaico dos cavalos, pertencente ao acervo do Museu Nacional de Arqueologia. Aqui os cavalos apresentam-se devidamente identificados pelos seus nomes próprios, atestando a exploração equina neste território em período romano, havendo mesmo quem defenda que estes exemplares têm similitudes com o que se designa «Cavalo Lusitano».
Não esqueçamos que os cavalos da Lusitânia tinham fama de ser muito velozes afirmando Plínio-o-Velho na sua História Natural que pareciam ser gerados pelo Vento Zéfiro (N.H 8, 166).

Mosaico dos Cavalos. Villa romana de Torre de Palma. Museu Nacional de Arqueologia.
N.º de Inventário: 997.19.1
Em época tardia é construída uma basílica paleocristã, edificada sobre um templo romano, objecto de várias reestruturações e acrescentos entre finais do século IV e o século VII, que documenta o esforço e a consolidação do cristianismo nesta região. A sua importância cultual perdurará até à Idade Média, com o reaproveitamento de parte das paredes da antiga basílica para a edificação da capela de S. Domingos, cuja edificação se deverá ter efectuado no séculos XIII e que se terá mantido em uso até ao século XVIII.

Já no Algarve, o Cerro da Vila trata-se também de uma casa senhorial romana, cuja ocupação remonta à primeira metade do século I, centro de uma exploração agrícola que aqui é completada com o aproveitamento dos recursos marítimos, existindo um porto que permitia o escoamento dos produtos. Relativamente próximo (2Km) localiza-se uma barragem que colaborava no abastecimento de água às terras férteis que rodeavam a uilla.
A casa foi edificada, ao que se sabe na Época de Augusto (27 a.C. – 14 d. C.). A sua instalação deve relacionar-se com as condições naturais, pois a localização privilegiada nas margens de uma laguna com ligação ao mar permitia abrigar os barcos nas suas paragens, apoiando as rotas comerciais. Trata-se, portanto, de uma villa marítima industrial de produtos piscícolas, mas também ligada à tinturatia e com funções portuárias, ocupada por Romanos, Visigodos e Árabes, entre o século I e o século XI d.C., se bem que possa ter exercido outras funções.

No século II e, particularmente no século III, a área residencial tornou-se mais expressiva, tendo sido decorada com luxuosos mosaicos e mármores.
Aproveitando parte das infra-estruturas da antiga casa agrícola, o Cerro da Vila foi ocupado em período islâmico, tendo sido aqui descoberto, em escavações promovidas por José Luís de Matos, um notável conjunto de cerâmicas datáveis dos séculos VIII, IX e X.

Por sua vez, na uilla romana de Milreu, cuja ocupação se efectuou em período romano, no século I d.C., foi construído no século IV d. C., um santuário de planta absidial dedicado a divindades aquáticas.cujo podium era ricamente decorado com mosaicos e que era separado da uilla por uma rua pavimentada com grandes lajes de pedra.

No caso de Milreu, Estói, a zona residencial hoje visitável, que se desenvolve em torno de um peristilo com colunas, foi uma reestruturação do século III, quando a casa é embelezada com mosaicos polícromos, muitos deles com alusões à fauna marítima, tornando-se num complexo edificado de grandes dimensões, instalações agrícolas, balneário.
Reconstituição do templo-de-galeria de Milreu, por T. Hauschild.

As termas estão ainda com um elevado grau de conservação e nelas se podem encontrar os compartimentos usuais: frigidarium, tepidarium e caldarium.
Os proprietários desta uilla eram certamente muito influentes, porque na casa apareceu estatuária de imperadores e familiares, a exemplo da estátua de Agripina.
Milreu pela sua importância, manteve uma ocupação em Época Tardo-romana, Islâmica, dos séculos VI ao X, e moderna.
Mas inúmeros são os exemplos destas estruturas agrários por todo o território actualmente português, pelo que apenas destacamos alguns exemplos.
Poderíamos, contudo, referir, como local de visita obrigatória as Villae Romanas do Rabaçal e de Santiago da Guarda; a Villa Cardílio, que pertencia ao conventus scallabitanus, zona favorável à cultura extensiva, rica em cereais, vinho, azeite e fruta, com abundância de água, a região terá sido fortemente romanizada, tal como se depreende das muitas notícias de achados de estruturas arquitectónicas, de cerâmica, de mosaicos um pouco por toda a parte, entre tantas outras.
Mas não podemos esquecer as inúmeras uillae em todo o território e aqui não referidas, a exemplo das de Olisipo de que lembramos Villa de Freiria, situada na freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de Cascais, a cerca de 16,5 km do centro da antiga cidade romana, perto da foz do rio Tejo e do mar, num vale onde é abundante a água e do Alto do Cidreira, Cascais.

A partir de «A presença Romana em Cascais: Um território da Lusitânia Ocidental». Museu Nacional de Arqueologia.
Fotografia: Guilherme Cardoso
Datam de 1945 os primeiros trabalhos arqueológicos iniciados por Afonso do Paço e Fausto de Figueiredo com a ajuda de alguns trabalhadores do Município no Alto da Cidreira. A construção destas ruínas foi datada do século II, salientando-se que foram encontradas moedas dos imperadores Constantino, Constâncio II, Teodósio e Arcádio (período de 205 a 450 da nossa era) que apontam a sua ocupação até fase tardia. Nos mencionados trabalhos foi ainda posto a descoberto um balneário de águas quentes e frias, dois cemitérios, restos de uma muralha e algum material cerâmico. Mais tarde, em 1968, 1970 e 1971, realizaram-se trabalhos de conservação e limpeza coordenados António de Castelo Branco (na época engenheiro dos Serviços Geológicos de Portugal e vice-presidente da Câmara) e seu amigo, Octávio Reinaldo da Veiga Ferreira (também engenheiro dos Serviços Geológicos de Portugal). Segundo estes, por terem sido encontradas numa lixeira, abundantes conchas de múrex, molusco marinho de onde provem o corante conhecido por púrpura, apontou-se para a possível existência de uma tinturaria no local.

Da zona Centro, destacaremos a Villa Romana do Rabaçal, designada pelo nome da actual povoação, na ausência de qualquer testemunho latino que a nomeie.
É notável a sua planta, bem como os mosaicos da casa, de que salientamos os que representam as «Quatro Estações»
Localiza-se 12 Km a Sul de Conímbriga, fazendo parte integrante do território da antiga civitas, junto à via romana que ligava Olisipo a Bracara Augusta, no actual concelho de Penela, Distrito de Coimbra.

Para mais informação suplementar, poderá consultar aqui